Peço a Palavra
segunda-feira, março 29, 2004
 
Na sequência do que venho dizendo
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«The Great War, and its aftermath of dictatorships, has caused many to underestimate all forms of power except military and governamental force. This is a short-sighted and unhistorical view. If I had to select four men who have had more power than any others, I should mention Buddha and Christ, Pythagoras and Galileo. No one of these four had the support of the State until his propaganda had achieved a great measure of success. No one of the four had much success in his own lifetime. No one of the four would have affected human life as he has done if power had been his primary object. No one of the four sought the kind of power that enslaves others, but the kind that sets them free -- in the case of the first two, by showing how to master the desires that lead to strife, and hence to defeat slavery and subjection; in the case of the second two, by pointing the way towards control of natural forces. It is not ultimately by violence that men are ruled, but by the wisdom of those who appeal to the common desires of mankind, for happiness, for inward and outward peace, and for the understanding of the world in which, by no choice of our own, we have to live» (Bertrand Russell, Power, 1938)

sexta-feira, março 19, 2004
 
A árvore conhece-se pelos seus frutos (elogio de um gajo que nem sequer gosta de Aristóteles)
Não entremos em meta-ética. Temos a ética. Temos a política.

Herança de Aristóteles. O Estagirita inter-relacionava os conceitos de forma peculiar: padrão de vivência virtuosa do indivíduo enquanto indivíduo: ética; padrão de vivência virtuosa do indivíduo na cidade-estado: política. Realce-se isto: Aristóteles -- como aliás todos os gregos antigos, excepto os estóicos -- não distinguia a dimensão política da polis da sua dimensão social, tal como entendida no conceito moderno de sociologia. É que a noção de universalidade do Homem é apenas introduzido pelo estóicismo e, depois, verdadeiramente afirmado por Cristo. Por isso, para efeitos deste post, fiquemos simplesmente com os conceitos: "ética=regras da vivência individual virtuosa que nos conduz à felicidade"; "política=sistema sócio-político".
Decorrentemente, no que consistia, para Aristóteles, o dever do cidadão-político? Seguir a ética, também no seu campo. A ética política, portanto. Um sub-ramo da ética, aplicada no campo do exercício de cargos políticos. E essa ética consagrava-se num postulado: "prosseguir o bem comum, propiciando e impondo aos cidadãos os hábitos (rotinas) de virtude". Hábitos esses, que eram a única forma de caminharmos para a vitude e para a felicidade.

Olhemos agora para o pós-modernismo. Tudo é relativo, meus caros. Verdadeiramente relativo, niilista. Nada é palpável. 2+1=4, só porque eu quero. E pronto.
Por estes lados, teremos ética, no sentido de conceito universal? É difícil dizer. Se tudo se reduz a uma expressão de individualismo, o fito de qualquer um será a satisfação dos seus desejos. Nada é questionável. Tough.

Laboratório: será consentâneo com os padrões da ética política afirmar que só teremos bons políticos se esses cargos forem bem pagos? E que só diminuirá a corrupção e o laxismo se a remuneração for pimpona?
Resposta do grego: não. Diria: o político não está lá para receber. Está para servir. Para cumprir o seu papel de fornecer hábitos de virtude. Além do mais, a virtude apenas é exercitada combatendo o vício, com coragem e temperança; e não enchendo-o, a priori, para que não se aproxime. (se calhar estou a ser simpático demais: Aristóteles nunca diria isto; apenas o escreveria).
Reposta pós-moderna: se o que existe, fruto de um relativismo, é um individualismo assoberbado, a política acaba por ser, apenas, um campo onde o indivíduo aspira ao poder, à satisfação das suas necessidades. E, assim, ser ou não corrupto é um mero cálculo utilitarista de risco-benefício: justifica-se desse modo o tal aumento da jorna.
Em suma: um pós-modernista aconselharia sempre a sopesar a questão por intermédio da adopção de um eixo que partisse do antropismo e acabasse na conta bancária.

sexta-feira, março 05, 2004
 
Seja um filósofo contemporâneo. Adira ao pós-modernismo. Escreva um livro em 10 passos!
Receita:
1.º - Escrever: "Vou fazer um bolo de chocolate";
2.º - Adicionar, de seguida, adjectivos e advérbios de uso arcaico e incoerente, colocando-os antes dos substantivos de molde a fazê-los assumir um conteúdo poético: "Vou fazer um íntimo e redutor bolo de insondável, absorto e megalómano chocolate";
3.º - Acrescentar vírgulas, parêntises e etecéteras: "Vou fazer um íntimo e (redutor) bolo de insondável, absorto (e -- será? -- megalómano) chocolate";
4.º - Substituir o predicado por outro mais rebuscado: "Demando a tarefa de cogitar e enformar um íntimo (e redutor) bolo de insondável, absorto (e -- será? -- megalómano) chocolate";
5.º - Introduzir, a despropósito, contraditórios estados de espírito que não transcendam o narrador: "Demando, desassombrada mas maquinalmente, a tarefa de cogitar e enformar um íntimo (e redutor) bolo de insondável, absorto (e -- será? -- megalómano) chocolate";
6.º - Dar ao complemento directo forma metafórica impenetrável, inclusivamente com recurso a sinónimos imprecisos e vagos: "Demando, desassombrada mas maquinalmente, a tarefa de cogitar e enformar uma íntima (e redutora) forma de insondável, absorto (e -- será? -- megalómano) deleite";
7.º - Fazer uma referência, subtil, a um filósofo e/ou a uma corrente filosófica: "Demando, desassombrada mas maquinalmente, a tarefa de cogitar e enformar, a partir de uma intangível Ideia pura e não revelada, uma íntima (e redutora) forma física de insondável, absorto (e -- será? -- megalómano) deleite";
8.º - Retirar a referência a um sujeito preciso, conferindo-lhe o carácter de uma regra universal: "Demandar, desassombrada mas maquinalmente, a tarefa de cogitar e enformar, a partir de uma intangível Ideia pura e não revelada, uma íntima (e redutora) forma física de insondável, absorto (e -- será? -- megalómano) deleite";
9.º - A essencial transdiciplinariedade, claro, que entrecorta todo o raciocínio: "Demandar, desassombrada mas maquinalmente, a tarefa pedagógica de cogitar e enformar, dentro de um quadro parametrizador da compatibilidade da dignidade da existência com o locus ambiental, a partir de uma intangível Ideia pura e não revelada, uma íntima (e redutora) forma física de insondável, absorto (e -- será? -- megalómano) cosmológico deleite";
10.º - A cereja em cima do bolo é, como é óbvio, uma citação de um qualquer autor (de preferência, absolutamente fora do contexto), o que acrescenta o insuprível toque de argumento de autoridade: "Demandar, desassombrada mas maquinalmente, à sombra de Aristóteles, porque «não existe nada que seja permanentemente agradável, pois nossa natureza não é simples», a tarefa pedagógica de cogitar e enformar, dentro de um quadro parametrizador da compatibilidade da dignidade da existência com o locus ambiental, a partir de uma intangível Ideia pura e não revelada, uma íntima (e redutora) forma física de insondável, absorto (e -- será? -- megalómano) cosmológico deleite".

Resultado:

"Vou fazer um bolo de chocolate" = "Demandar, desassombrada mas maquinalmente, à sombra de Aristóteles, porque «não existe nada que seja permanentemente agradável, pois nossa natureza não é simples», a tarefa pedagógica de cogitar e enformar, dentro de um quadro parametrizador da compatibilidade da dignidade da existência com o locus ambiental, a partir de uma intangível Ideia pura e não revelada, uma íntima (e redutora) forma física de insondável, absorto (e -- será? -- megalómano) cosmológico deleite".

Helás! Conseguiu fazer uma afirmação perfeitamente despedida de sentido, obscura, irracional, sem qualquer espécie de demonstração, pomposa e sonante! Aplique a todo o livro. E pronto! You're a regular Hegel!

quarta-feira, março 03, 2004
 
História, Economia e Evolução
O colocou algumas objecções ao meu post ali de baixo que merecem reflexão. Como a troca de ideias vai sendo longa, não vou transcrevê-lo para aqui, sob pena de tornar a discussão fastidiosa. Mas podem sempre alternar entre os dois blogues.

Devo começar por fazer dois esclarecimentos sobre o tema: desde logo, eu comentei apenas a primeira frase do post do Zé e não o post na sua totalidade. A reflexão era, exactamente, sobre a possibilidade encararmos a "Economia como motor da História". Mas posso introduzir alguns dos outros temas na discussão.

Por outro lado, parece ter-se estabelecido alguma confusão sobre as minhas deambulações sobre o conceito de "História". A culpa será concerteza minha. Mas penso que ainda vou a tempo de apresentar a mesma questão com mais clareza.
Vamos lá. Desliguemo-nos por um momento dos posts: o que entendemos por "História"? Para mim (e sem pretender ser este um entendimento universal), "História" é o conjunto dos factos pretéritos da Humanidade em relação ao momento actual -- na mesma lógica, "Pré-História" será o conjunto dos factos pretéritos ao advento da Humanidade. Ora, encarando assim a "História", devemos nela incluir todos os factos humanos já verificados. Todos sem excepção. Trata-se, no fundo, de um "registo de actividade" da Humanidade, que abarcará a sua dimensão social, física, política, económica, cultural e etnológica (e outras ainda, seguramente). Foi por isso que disse que tanto pertence à "História" um banalíssimo acontecimento do quotidiano de um indivíduo quanto um qualquer acontecimento político de uma qualquer sociedade.
Ora, parece-me pacífico que é verdadeiramente impossível que a ciência social designada por "História" consiga realizar uma resenha de todos esses acontecimentos. Daí que nasça a necessidade de criar sub-espécies da "História". Criamos, então, capítulos autónomos da "História" como a "História do Poder Político", a "História do Direito", a "História da Arte", a "História da Vida Privada", etc, etc, etc. Mas atenção: são compartimentações meramente abstractas, realizadas apenas com o propósito de viabilizar o estudo do registo factual pretérito da Humanidade.

Aqui chegados, posso então voltar às minhas anteriores conclusões: em primeiro lugar, disse que não é possível considerar que a "Economia" fosse o motor da "História". E parece-me óbvio que não. Na "História" (em sentido geral) estão presentes realidades/factos de múltiplos carizes, sendo muita das vezes impossível imputar a sua verificação a motivos de ordem económica. Exemplos rápidos: a Peste Negra, o terramoto de 1755 ou até Krakatoa.

Mas passando à segunda conclusão: ao falar de "História", pensei -- como ainda penso -- que o Zé estivesse a falar apenas de uma parte da "História": a respeitante à "História do Poder". Penso que não errei. Ora, o problema é que, também aqui, não podemos dizer que a ocorrência de um facto se deve, necessariamente, a uma qualquer motivação económica. Exemplo: a regressão do Império Romano conheceu vários motivos. Um seria, de facto, de ordem económica; mas é ponto assente que motivos epidémicos e morais levaram, igualmente, à queda daquele Estado. Ora, se assim é, não podemos dizer que encontramos a "Economia como motor da História", porque o que aquela frase dá a entender é que todo o movimento da Humidade, até ao dia de hoje, se explica pelo fenómeno económico.

Adiante. Entendo que a relação entre "História" e "Economia" não pode ser estabelecida como se tratássemos de duas entidades que se encontram no mesmo plano conceptual. Nem a "História" enquanto entidade abstracta influencia o curso da Economia; nem podemos dizer a "Economia" dita um funcionamento padronizado da "História", fenómeno esse que podemos verificar ao longo do seu decurso.
O Zé acha que a "Economia" é um fenómeno que permite fazer uma determinada leitura da "História". E será. Mas é só um. Não é o único factor a explicar a causalidade de um facto. Ou, pelo menos o único factor a explicar a causalidade de todos os factos.
E isso é diferente de considerar que o futuro é condicionado pela "História", que seja uma sua repetição (daí o Historicismo), que por sua vez está pré-condicionada pela "Economia".
O Zé parece -- acho eu -- querer achar uma “explicação” para a "História", um fio condutor que a una do princípio ao fim. Será possível? A minha opinão é que não. E ainda que tal fosse possível, não seria concerteza a "Economia" a desempenhar esse papel.
Em síntese: não se pode entender que estamos condenados a um determinado tipo de futuro, em função de um factor económico. A História não se repetiu sempre de acordo com uma mesma Lei.

Alegadamente terei defendido que seria a Humanidade o "motor da História". Lá está, é de novo a mesma questão conceptual. A "História" não é um princípio activo! A História será uma resenha dos factos pretéritos da Humanidade. Só isso.

Quanto à frase “O que não reconheço é o Homem como subalterno do Homem por questões de Economia. E essa, Tiago, tem sido a verdade da História”, voltamos ao mesmo. Passo a explicar. Concordo absolutamente que a "História do Poder" tem assinalado uma constante subalternização do Homem pelo Homem. O que está por demonstrar é que todos fenómenos opressivos conhecidos tivessem necessariamente uma causa ou um processo “económicos” – o que quer que isso seja.
De facto, muitos outros factores concorreram (e concorrem) para a existência de opressão e tirania. A obsessão pelo lucro, por exemplo, será um deles. Mas não podemos concluir que a existência de uma tirania ou de opressão seja um fenómeno natural no processo económico. Poderá verificar-se esse fenómeno num ou outro modelo económico -- mas não se pode daí induzir uma regra geral nesse sentido.

Entrando um pouco pelo resto do post do Zé: “a Economia é o motor da História e que as elites dominam a economia, fazendo a História”. Como assim? Desde logo, dizer que "História" -- ou melhor, a "História do Poder" -- é feita por elites carece de demonstração! Que elites? Em que momentos? Através de que meios? Nada disso é demonstrado.
Em todo o caso, sempre se dirá que tal não pode ser demonstrado. E não pode ser porque a evidência é outra. Para que tal fosse verdade, necessário seria que as elites fossem sempre as mesmas: para que só elas fizessem a "História", os demais agentes não poderiam fazê-la também -- já que estes, por não serem elites, não controlam a "Economia".
A negação de tal afirmação é, porém, reconhecida pelo próprio Zé: “Quem, até hoje, assumiu o poder político? E a resposta, vá em que sentido for, será sempre a mesma: quem o assumiu, fez a História.” Com recurso à "Economia", subentende-se.
Aqui está. Em primeiro lugar, o Zé afirma que a "História do Poder" é feita pelas elites (que dominam a "Economia", não se limitando a integrá-la). Depois, reconhece que a "História do Poder" é feita por quem o assume -- e não por quem detém, à partida, o controlo da "Economia", ou seja, as elites. É que, pressupondo (sem grande discussão, creio) que não terão sido sempre os mesmos a exercer o Poder desde o berço da Humanidade, podemos dizer que o titular do Poder tem variado ao longo dos tempos e dos lugares.
Assim sendo, se, como disse o Zé, fosse verdade que são apenas as elites que escrevem a "História" por controlarem a "Economia", nunca poderíamos verificar que as elites são derrubadas por quem não controla a "Economia". E chegamos, por fim, a este paradoxo: a "História" seria feita pela elite que controla a "Economia", mas acaba, na verdade, por ser feita também por aqueles que supostamente não a controlam.

Enfim, tudo isto para demonstrar que a "História" (seja ela qual for) não é feita nem por elites nem por força da "Economia". Não podemos negar que a própria assumpção do poder político -- a substituição das elites condicionadoras da "Economia", segundo o Zé, por um novo grupo "underdog" sem controlo da "Economia" -- é parte integrante da "História do Poder". E a evidência é que muitos motivos explicam a assumpção e o exercício do Poder, para além dos motivos de cariz económico.

Termino com a frase do Zé: “Por último deixaria uma pequena pergunta: alguém me viu a defender que deve ser a Economia o motor da História? Limitei-me a dizer que era o motor da História...”. Tudo bem. Todavia, como já disse, o que eu contesto é que seja possível descortinar, em absoluto, um "motor da História". Seja ela qual for.

E agora, se não se importam, vou ver o Werther. Um abraço.

terça-feira, março 02, 2004
 
Baikal
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Lago Baikal, Sibéria.

Quando digo que um dos meus destinos de sonho é a Sibéria, fazem sempre cara torta. Estou a vê-los, de sorriso amarelo e a pensar para si: "Sibéria?.. Ou é doido ou tem a mania..."

 
Evoluir
Disse o : "A economia é o motor da história". FALSO! E por três tipos de razões.

Primus, o que é isso de "História" de que fala o Zé? Encher a boca, arregalar os olhos e dizer arrastada e sonoramente: "A Históóóriaaa" -- eis uma prática ainda preocupantemente comum.
Ora, não existe tal coisa como "a História". Ou melhor dito: ela existe; simplesmente é impossível concebê-la. A "História" (sem mais) é o registo de todos os acontecimentos passados. Todos. Sem excepção -- desde a tomada do poder num país que faça esquina com o Índico, há 2000 anos, até à minha última ida à retrete. Ora, não é possível (re)construir e ler a "História" -- a verdadeira "História" --, pelo simples motivo que ela nunca poderia ser redigida. É fisicamente impossível. Por esse motivo, falacioso é admitir o conceito "História" tal como é fornecido pelo Zé. Porque implica dizer que existe esse registo aproximadamente científico e que é possível imputar uma causa comum a todos esses efeitos. (E, apenas em abono da discussão, mesmo que tal fosse possível, não vejo como é que a economia possa ser o motor da minha última ida à casa de banho.)
O que o Zé quer verdadeiramente dizer é que a "História do Poder" -- ou, mais precisamente, a "História do Poder Político" -- será absolutamente condicionada pelo fenómeno económico. Ora, tomar a "História", no fundo, apenas como "História do Poder Político" é perigosamente redutor. E isto não é dispiciendo: é que isso significa obliterar todo o remanescente da dimensão da existência humana, que é, até, a maior parte do bolo. De facto, nesta perspectiva, a capacidade de realizar um raciocínio transcendental, que supere o estômago e o falo, pura e simplesmente não existe. Este ponto de vista implica aceitar que toda -- TODA!!! SEM EXCEPÇÃO -- a acção humana é determinada por uma lógica de poder e que todas as outras vertentes da existência humana não sopesam no momento da decisão. Importa admitir que o Homem, momento a momento, é condicionado, apenas e tão-só, pela sua sobrevivência, pelo seu instinto sexual e pelo instinto bélico.

Em segundo lugar -- e tendo concluído que não estamos a falar de "História" mas sim de uma sua pequena parte, a "História do Poder" --, resta limpar os resquícios de Hegelianismo e Marxismo. É que a História -- seja ela qual for -- não tem motor. Quanto mais tempo teremos de esperar para enterrar o Historicismo?
A evolução humana não está condicionada. O futuro é tomado nas mãos da Humanidade. Não existe uma entidade ex machina que a domine. Não podemos extrair, de uma leitura da "História" (?), um qualquer factor comum que a perpasse. Não podemos dizer com rigor científico: "foi este factor que levou que o facto A sucedesse ao facto B". Apenas podemos supor. E muito menos podemos aplicar essa lógica a TODOS os factos, encontrando em TODAS as relações causais o mesmo agente causal!!
Ademais, volvidos 200 anos desde o nascimento do Historicismo, onde está a sua demonstração? Não há! Continuamos no domínio das assumptions! Inteira razão tem, pois, Popper, quando diz que Hegel era um aldrabão e um fala-barato: limitou-se a fazer uma profissão de fé, macaqueando-a de rigor científico (com uma dialética irracional...).
Não existe um padrão comportamental a que possamos apontar o dedo e dizer: toda a evolução é determinada por esta causa. Não há nada que me possa dizer o que vai suceder daqui a cinco minutos, quando afixar o post. E isto é incontornável.
Mesmo o agente causal que o Zé assume é muito discutível: é que, segundo me parece, o Zé trata o fenómeno económico como um fenómeno com carta de alforria relativamente à globalidade do comportamento social humano. Não é assim. A economia não é mais do que a vivência social da Humanidade na busca de meios de sobrevivência (primeiro) e de melhoria das condições de vida (depois). Não é uma essência autonomizável e que explique, enquanto lógica reguladora e mecanizada, a evolução humana. O facto de estar cientificamente autonomizada para efeitos de estudo não me parece condição suficiente para a levar ao pódio de "motor do mundo".

Por último, aqui chegados, resta refutar, dentro da lógica historicista do Zé, a concepção de que a esta sub-espécie histórica se processa inapelavelmente ao ritmo do fenómeno económico.
Em bom rigor, nem precisaria de a refutar. E não preciso porquanto ela é apenas uma crença indemonstrada. E esse seria o meu primeiro argumento.
Em todo o caso, sempre poderei dizer que ela não só nunca foi como nunca poderia ser provada. E não o poderia, uma vez que é inegável que o caminho da Humanidade foi, é e continuará a ser trilhado também em função de valores não-económicos. Ao afirmar que há um único factor preponderante que condiciona a evolução histórica, o Zé está a dizer que só um motivo económico permite explicar a transição do facto A para o facto B (que lhe sucede no tempo). Mais, diz que esse agente causal está sempre presente na transição de todos os factos para os respectivos factos subsequentes. Mais uma false assumption. É que, ao fazer a leitura e hermenêutica da História, o Zé tem de reconhecer que há quem busque um cargo político não pelo poder que ele confere, mas pelo serviço que a ele se pode prestar. Toda a decisão humana num contexto de poder pode ser feita em função de outros critérios que não económicos. O Zé tem de reconhecer que a existência de valores como humanismo, altruísmo e amor ao próximo enquanto realidades não-económicas foram e são determinantes no funcionamento do mundo e na criação de factos e fenómenos sociais e políticos. Sobretudo, não se pode reconduzir a existência humana à sua existência política -- e muito menos à narrativa da luta de uma elite pelo poder.


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