Peço a Palavra
sexta-feira, março 19, 2004
 
A árvore conhece-se pelos seus frutos (elogio de um gajo que nem sequer gosta de Aristóteles)
Não entremos em meta-ética. Temos a ética. Temos a política.

Herança de Aristóteles. O Estagirita inter-relacionava os conceitos de forma peculiar: padrão de vivência virtuosa do indivíduo enquanto indivíduo: ética; padrão de vivência virtuosa do indivíduo na cidade-estado: política. Realce-se isto: Aristóteles -- como aliás todos os gregos antigos, excepto os estóicos -- não distinguia a dimensão política da polis da sua dimensão social, tal como entendida no conceito moderno de sociologia. É que a noção de universalidade do Homem é apenas introduzido pelo estóicismo e, depois, verdadeiramente afirmado por Cristo. Por isso, para efeitos deste post, fiquemos simplesmente com os conceitos: "ética=regras da vivência individual virtuosa que nos conduz à felicidade"; "política=sistema sócio-político".
Decorrentemente, no que consistia, para Aristóteles, o dever do cidadão-político? Seguir a ética, também no seu campo. A ética política, portanto. Um sub-ramo da ética, aplicada no campo do exercício de cargos políticos. E essa ética consagrava-se num postulado: "prosseguir o bem comum, propiciando e impondo aos cidadãos os hábitos (rotinas) de virtude". Hábitos esses, que eram a única forma de caminharmos para a vitude e para a felicidade.

Olhemos agora para o pós-modernismo. Tudo é relativo, meus caros. Verdadeiramente relativo, niilista. Nada é palpável. 2+1=4, só porque eu quero. E pronto.
Por estes lados, teremos ética, no sentido de conceito universal? É difícil dizer. Se tudo se reduz a uma expressão de individualismo, o fito de qualquer um será a satisfação dos seus desejos. Nada é questionável. Tough.

Laboratório: será consentâneo com os padrões da ética política afirmar que só teremos bons políticos se esses cargos forem bem pagos? E que só diminuirá a corrupção e o laxismo se a remuneração for pimpona?
Resposta do grego: não. Diria: o político não está lá para receber. Está para servir. Para cumprir o seu papel de fornecer hábitos de virtude. Além do mais, a virtude apenas é exercitada combatendo o vício, com coragem e temperança; e não enchendo-o, a priori, para que não se aproxime. (se calhar estou a ser simpático demais: Aristóteles nunca diria isto; apenas o escreveria).
Reposta pós-moderna: se o que existe, fruto de um relativismo, é um individualismo assoberbado, a política acaba por ser, apenas, um campo onde o indivíduo aspira ao poder, à satisfação das suas necessidades. E, assim, ser ou não corrupto é um mero cálculo utilitarista de risco-benefício: justifica-se desse modo o tal aumento da jorna.
Em suma: um pós-modernista aconselharia sempre a sopesar a questão por intermédio da adopção de um eixo que partisse do antropismo e acabasse na conta bancária.

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