Peço a Palavra
quarta-feira, março 03, 2004
 
História, Economia e Evolução
O colocou algumas objecções ao meu post ali de baixo que merecem reflexão. Como a troca de ideias vai sendo longa, não vou transcrevê-lo para aqui, sob pena de tornar a discussão fastidiosa. Mas podem sempre alternar entre os dois blogues.

Devo começar por fazer dois esclarecimentos sobre o tema: desde logo, eu comentei apenas a primeira frase do post do Zé e não o post na sua totalidade. A reflexão era, exactamente, sobre a possibilidade encararmos a "Economia como motor da História". Mas posso introduzir alguns dos outros temas na discussão.

Por outro lado, parece ter-se estabelecido alguma confusão sobre as minhas deambulações sobre o conceito de "História". A culpa será concerteza minha. Mas penso que ainda vou a tempo de apresentar a mesma questão com mais clareza.
Vamos lá. Desliguemo-nos por um momento dos posts: o que entendemos por "História"? Para mim (e sem pretender ser este um entendimento universal), "História" é o conjunto dos factos pretéritos da Humanidade em relação ao momento actual -- na mesma lógica, "Pré-História" será o conjunto dos factos pretéritos ao advento da Humanidade. Ora, encarando assim a "História", devemos nela incluir todos os factos humanos já verificados. Todos sem excepção. Trata-se, no fundo, de um "registo de actividade" da Humanidade, que abarcará a sua dimensão social, física, política, económica, cultural e etnológica (e outras ainda, seguramente). Foi por isso que disse que tanto pertence à "História" um banalíssimo acontecimento do quotidiano de um indivíduo quanto um qualquer acontecimento político de uma qualquer sociedade.
Ora, parece-me pacífico que é verdadeiramente impossível que a ciência social designada por "História" consiga realizar uma resenha de todos esses acontecimentos. Daí que nasça a necessidade de criar sub-espécies da "História". Criamos, então, capítulos autónomos da "História" como a "História do Poder Político", a "História do Direito", a "História da Arte", a "História da Vida Privada", etc, etc, etc. Mas atenção: são compartimentações meramente abstractas, realizadas apenas com o propósito de viabilizar o estudo do registo factual pretérito da Humanidade.

Aqui chegados, posso então voltar às minhas anteriores conclusões: em primeiro lugar, disse que não é possível considerar que a "Economia" fosse o motor da "História". E parece-me óbvio que não. Na "História" (em sentido geral) estão presentes realidades/factos de múltiplos carizes, sendo muita das vezes impossível imputar a sua verificação a motivos de ordem económica. Exemplos rápidos: a Peste Negra, o terramoto de 1755 ou até Krakatoa.

Mas passando à segunda conclusão: ao falar de "História", pensei -- como ainda penso -- que o Zé estivesse a falar apenas de uma parte da "História": a respeitante à "História do Poder". Penso que não errei. Ora, o problema é que, também aqui, não podemos dizer que a ocorrência de um facto se deve, necessariamente, a uma qualquer motivação económica. Exemplo: a regressão do Império Romano conheceu vários motivos. Um seria, de facto, de ordem económica; mas é ponto assente que motivos epidémicos e morais levaram, igualmente, à queda daquele Estado. Ora, se assim é, não podemos dizer que encontramos a "Economia como motor da História", porque o que aquela frase dá a entender é que todo o movimento da Humidade, até ao dia de hoje, se explica pelo fenómeno económico.

Adiante. Entendo que a relação entre "História" e "Economia" não pode ser estabelecida como se tratássemos de duas entidades que se encontram no mesmo plano conceptual. Nem a "História" enquanto entidade abstracta influencia o curso da Economia; nem podemos dizer a "Economia" dita um funcionamento padronizado da "História", fenómeno esse que podemos verificar ao longo do seu decurso.
O Zé acha que a "Economia" é um fenómeno que permite fazer uma determinada leitura da "História". E será. Mas é só um. Não é o único factor a explicar a causalidade de um facto. Ou, pelo menos o único factor a explicar a causalidade de todos os factos.
E isso é diferente de considerar que o futuro é condicionado pela "História", que seja uma sua repetição (daí o Historicismo), que por sua vez está pré-condicionada pela "Economia".
O Zé parece -- acho eu -- querer achar uma “explicação” para a "História", um fio condutor que a una do princípio ao fim. Será possível? A minha opinão é que não. E ainda que tal fosse possível, não seria concerteza a "Economia" a desempenhar esse papel.
Em síntese: não se pode entender que estamos condenados a um determinado tipo de futuro, em função de um factor económico. A História não se repetiu sempre de acordo com uma mesma Lei.

Alegadamente terei defendido que seria a Humanidade o "motor da História". Lá está, é de novo a mesma questão conceptual. A "História" não é um princípio activo! A História será uma resenha dos factos pretéritos da Humanidade. Só isso.

Quanto à frase “O que não reconheço é o Homem como subalterno do Homem por questões de Economia. E essa, Tiago, tem sido a verdade da História”, voltamos ao mesmo. Passo a explicar. Concordo absolutamente que a "História do Poder" tem assinalado uma constante subalternização do Homem pelo Homem. O que está por demonstrar é que todos fenómenos opressivos conhecidos tivessem necessariamente uma causa ou um processo “económicos” – o que quer que isso seja.
De facto, muitos outros factores concorreram (e concorrem) para a existência de opressão e tirania. A obsessão pelo lucro, por exemplo, será um deles. Mas não podemos concluir que a existência de uma tirania ou de opressão seja um fenómeno natural no processo económico. Poderá verificar-se esse fenómeno num ou outro modelo económico -- mas não se pode daí induzir uma regra geral nesse sentido.

Entrando um pouco pelo resto do post do Zé: “a Economia é o motor da História e que as elites dominam a economia, fazendo a História”. Como assim? Desde logo, dizer que "História" -- ou melhor, a "História do Poder" -- é feita por elites carece de demonstração! Que elites? Em que momentos? Através de que meios? Nada disso é demonstrado.
Em todo o caso, sempre se dirá que tal não pode ser demonstrado. E não pode ser porque a evidência é outra. Para que tal fosse verdade, necessário seria que as elites fossem sempre as mesmas: para que só elas fizessem a "História", os demais agentes não poderiam fazê-la também -- já que estes, por não serem elites, não controlam a "Economia".
A negação de tal afirmação é, porém, reconhecida pelo próprio Zé: “Quem, até hoje, assumiu o poder político? E a resposta, vá em que sentido for, será sempre a mesma: quem o assumiu, fez a História.” Com recurso à "Economia", subentende-se.
Aqui está. Em primeiro lugar, o Zé afirma que a "História do Poder" é feita pelas elites (que dominam a "Economia", não se limitando a integrá-la). Depois, reconhece que a "História do Poder" é feita por quem o assume -- e não por quem detém, à partida, o controlo da "Economia", ou seja, as elites. É que, pressupondo (sem grande discussão, creio) que não terão sido sempre os mesmos a exercer o Poder desde o berço da Humanidade, podemos dizer que o titular do Poder tem variado ao longo dos tempos e dos lugares.
Assim sendo, se, como disse o Zé, fosse verdade que são apenas as elites que escrevem a "História" por controlarem a "Economia", nunca poderíamos verificar que as elites são derrubadas por quem não controla a "Economia". E chegamos, por fim, a este paradoxo: a "História" seria feita pela elite que controla a "Economia", mas acaba, na verdade, por ser feita também por aqueles que supostamente não a controlam.

Enfim, tudo isto para demonstrar que a "História" (seja ela qual for) não é feita nem por elites nem por força da "Economia". Não podemos negar que a própria assumpção do poder político -- a substituição das elites condicionadoras da "Economia", segundo o Zé, por um novo grupo "underdog" sem controlo da "Economia" -- é parte integrante da "História do Poder". E a evidência é que muitos motivos explicam a assumpção e o exercício do Poder, para além dos motivos de cariz económico.

Termino com a frase do Zé: “Por último deixaria uma pequena pergunta: alguém me viu a defender que deve ser a Economia o motor da História? Limitei-me a dizer que era o motor da História...”. Tudo bem. Todavia, como já disse, o que eu contesto é que seja possível descortinar, em absoluto, um "motor da História". Seja ela qual for.

E agora, se não se importam, vou ver o Werther. Um abraço.

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