Peço a Palavra
sexta-feira, novembro 12, 2004
 
O rearmamento da Europa
Referi, na sequência das eleições americanas, que seria bom que os seus resultados fossem um contributo para a discussão sobre o reequacionamento da posição da Europa no Mundo. Com efeito, o problema com que a Europa se debate não é se a Casa Branca é ocupada por fulano A ou B. Para isso seria necessário que a Europa tivesse bem definido qual o seu papel no Mundo, o que é o seu interesse, quais são os meios necessários para o prosseguir e quais são as circunstâncias que o envolvem. Ora, é exactamente isto que está em grande parte por fazer. Nessa perspectiva, Carlos Vale Ferraz deu ontem um notável contributo para perceber qual deve ser o caminho a trilhar.

E é este: a Europa é um dos três pontos chave da economia global. Tem o maior mercado interno do mundo e uma divisa mais forte que o dólar. Acresce que, ao contrário dos EUA, do Japão e da China (que se apresenta como o futuro quarto pólo), a Europa tem ainda um substancial potencial de crescimento territorial e demográfico. O crescimento para a Europa de Leste, para os Balcãs e para o Médio Oriente é apenas uma questão de tempo e de modo. Todavia, a Europa permanece, neste jogo de forças, como um anão geoestratégico. E por duas razões.
A primeira é o ainda precário estado de desenvolvimento da sua integração política. Importa estabelecer a Europa como um corpo político único. E interessa pô-la a funcionar como uma única entidade nacional, em que permancem os seus membros a funcionar como entidades estaduais. Mas isso são contas de rosário que ficam para calendas.
A segunda razão é a ausência de uma política militar que dê músculo à preponderância económica europeia e que seja capaz de projectar força em defesa tanto da construção do seu espaço de influência quanto dos seus interesses.

Esta ausência tem a explicação histórica já aqui referida do «chapéu-de-chuva americano». Durante 50 anos não foi exigido à Europa o esforço de militarização que seria necessário à afirmação de uma política externa própria. A Europa dotou-se, apenas, dos meios defensivos necessários a formar uma primeira barreira de resposta a uma invasão soviética.
Mas desde 1989 que os dados do problema são diferentes. A política externa não é comum à americana e a Europa vê-se na circustância de ter de impor, isoladamente, os seus interesses. Ou de ter de obstar a que interesses antagónicos se imponham livremente.

A remilitarização da Europa é, pois, um passo essencial na composição de uma nova ordem mundial: como meio de impor uma vontade; e como disuasor de interesses alheios.
Para cumprir tal desiderato, impõe-se vencer duas batalhas. A primeira é uma batalha de mentalidades. O tal «chapéu-de-chuva americano» criou um estado de espírito generalizado na Europa de que as relações mundiais podem processar-se, em absoluto, num mundo despido de coercibilidade. A dimensão militar da existência de um Estado é, hoje, um parâmetro que está fora do quadro mental popular e da maioria dos governantes europeus. É essa mentalidade que tem de ser vencida. Antes que a realidade a imponha da pior maneira.
Por outro lado, os Estados europeus têm de estar dispostos a gastar muito mais com a defesa do que fazem actualmente. Sendo esmagora a supremacia de meios e de tecnologia militares americana, à Europa pede-se um esforço não só de acompanhamento como de reaproximação. Isso implica dinheiro. Ora, o peso do esforço militar americano no seu Orçamento é, actualmente, de 2,5% do PIB. Na Europa, em média, pouco passa de 1%. Mantendo-se estes dados, a tendência é de crescimento do afastamento. Para que a tendência seja invertida, mister é que o esforço europeu suba, tão brevemente quanto possível, para a casa dos 5%.

O problema é que esse aumento de investimento pressupõe a tomada de opções que a opinão pública não estará disposta a aceitar, excepto se se verificar a referida alteração de mentalidades. Porque implica diminuir o investimento nos sistemas de segurança social, nos incentivos ao emprego e em tudo o que seja subsídio. Porque implica readoptar formas eficientes de conceber sistemas de serviço militar obrigatório.
Já se antevê que esta não é tarefa fácil. Mas é o desafio que nos é imposto.

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