domingo, outubro 10, 2004
O desafio do Papa
Sejamos claros. A sociedade em que vivemos é uma sociedade materialista. Consumista. Hedonista. Adora a juventude, odeia envelhecer. E isto porque a juventude é sinónimo de combustão rápida, de vida vivida nos limites, de satisfação de toda e qualquer vontade sensual. É um constante turbilhão de sensações, um irresistível e amoral apelo aos sentidos. E parar esse turbilhão é envelhecer. Morrer.
É por isso que esta sociedade não sabe conviver com a morte. Não a aceita. E por isso não aceita os velhos. Não vale a pena sermos meigos com as palavras: esta sociedade tem nojo de envelhecer. E tem nojo dos velhos. Nojo. Enoja-a a incapacidade, a dependência, a limitação, a ponderação que lhes enforma a vida. Enoja-a o transtorno que eles causam nos mais novos.
Vemos tudo isso no nosso culto da juventude. É lindo ser jovem -- mesmo com 60 anos. Fazemos ginástica, dietas, curas, embelezamentos, rejuvenescimentos -- um afã frenético, doentio, semelhante ao de um náufrago que luta por se manter à tona. Vemos isso no destino final que damos aos nossos velhos, guetos de morte silenciosa.
Esta mentalidade doentia manifesta-se também na opinião comum exprimida acerca de S.S. o Papa João Paulo II. É banal ouvir dizer que deveria retirar-se; porque está velho; porque está doente; porque já não está em condições; porque já não se mexe; porque mal fala. Sem um mínimo de reflexão, o nosso impulso é concordar: «ele já deu muito, mas está na hora de mudar. É preciso dar o lugar a alguém mais novo, mais vibrante».
Ora, se pensarmos um pouco sobre o assunto chegamos rapidamente à conclusão de que o Papa nos dá, assim, o maior testemunho de humanidade de que temos memória nos tempos mais recentes. E um testemunho muito mais valioso de o que qualquer outro (mais novo), na sua posição, poderia dar.
Porquê? Porque ele não desiste. Para ele, a velhice e a doença são meras vissicitudes, obstáculos a superar, que não o impedem de fazer o que tem a fazer. A doença não o condiciona -- e se não o condiciona, não o define. A velhice também não o condiciona -- e, por isso, também não o define. Assim, ser ou não velho é indiferente para a definição da sua humanidade, para a medição da sua utilidade ao próximo. Transforma-se assim num exemplo de vitalidade -- independentemente da sua doença e da sua velhice. Uma demonstração de que nenhum ser humano tem prazo de validade, de que não há limites para o valor da vida humana e de que nenhuma pessoa pode ser substituída por outra.
Mas o Papa não se limita a conduzir impassivelmente a sua vida. Poderia, de facto, remeter-se a uma vida útil mas mais discreta. Não é, contudo, essa a sua opção. Ele faz mais: ele expõe-se. Sabe qual o mundo que nos rodeia e vem interpelar-nos. Ele exibe-nos as suas limitações físicas. Fá-lo para que todos o vejam a superá-las. É um moscardo da nossa consciência. O resultado é um comovente testemunho do verdadeiro sentido da dignidade da pessoa humana.
A nossa sociedade ocidental vive uma crise de valores. Essa crise manifesta-se também (e sobretudo) na nossa relação com a velhice. E a resposta mais vigorosa é o nosso Papa que a dá. Como Cristo. Com o holocausto do seu corpo.
Comments:
<< Home
De acordo! Felicito-o vivamente. O tema merece ser tratado e reflectido. É fundamental percebermos que há várias idades, todas importantes, mas que a sabedoria do tempo não pode ser desperdiçada...
Muito obrigado, Mr. Smith!
Muito obrigado, Mr. Smith!
Não sei se o que anima as restantes pessoas é de facto esse desprezo pelos velhos da nossa sociedade, mas concedo. E estou plenamente de acordo com a tua análise.
Só não concordo com o exemplo que dás.
Tenho muitas reservas quanto às reais capacidades de Sua Santidade o Papa João Paulo II. Não me guia nenhum sentimento de desprezo, antes me preocupa uma terrível sensação de manipulação.
Desde que a doença o atacou, rapidamente os seus assessores ganharam notoriedade, deixando transparecer, espcecialmente nos últimos templos (e esta é a minha visão pessoal), que o Papa passou a ser um mero representante do Vaitcano, que se limitará a assinar papeis. Concordo quando dizes que as sua capacidades acivas, ams a sua imgem frágil, sempre rodeado dos "abutres" que não o largam, não me convence que ele seja capaz de marcar a sua posição.
Recentemente houve a querela de Fátima, e das celebrações budistas e hindus. Tenho muitas reservas que o Papa estivesse contra tais manifestações, num local que lhe é tão queirido e especial. Uma tal posição não se conforma com a política que ele vem praticando desde que chegou ao "trono" do Vaticano.
Não sei se aqueles que o rodeiam o ajudam, tenho aliás muitas dúvidas que o façam... e isso é que me preocupa...
Enviar um comentário
Só não concordo com o exemplo que dás.
Tenho muitas reservas quanto às reais capacidades de Sua Santidade o Papa João Paulo II. Não me guia nenhum sentimento de desprezo, antes me preocupa uma terrível sensação de manipulação.
Desde que a doença o atacou, rapidamente os seus assessores ganharam notoriedade, deixando transparecer, espcecialmente nos últimos templos (e esta é a minha visão pessoal), que o Papa passou a ser um mero representante do Vaitcano, que se limitará a assinar papeis. Concordo quando dizes que as sua capacidades acivas, ams a sua imgem frágil, sempre rodeado dos "abutres" que não o largam, não me convence que ele seja capaz de marcar a sua posição.
Recentemente houve a querela de Fátima, e das celebrações budistas e hindus. Tenho muitas reservas que o Papa estivesse contra tais manifestações, num local que lhe é tão queirido e especial. Uma tal posição não se conforma com a política que ele vem praticando desde que chegou ao "trono" do Vaticano.
Não sei se aqueles que o rodeiam o ajudam, tenho aliás muitas dúvidas que o façam... e isso é que me preocupa...
<< Home