Peço a Palavra
sexta-feira, setembro 24, 2004
 
King Kong
Não quero ter a pretensão de julgar estar a ver o que mais ninguém vê. Mas quer-me parecer que o problema da colocação dos professores nas escolas de ensino público não nasce deste governo ou, sequer, do programa informático em causa. Sem desrespeito para os problemas e sofrimento causados, esta história, vista em comparação com o problema maior em que se insere, tem contornos de charivari.
1. Em primeiro lugar, qual é o verdadeiro e grave problema -- que ninguém discute?
Imaginem que são responsáveis por uma organização que tem 50.000 funcionários aptos a exercer uma actividade de tipo A. Imaginem que a vossa organização tem 50.000 postos de trabalho de actividade de tipo A. Imaginem que esses 50.000 postos de trabalho se pulverizam por várias centenas de locais de trabalho (micro-organizações). Importa distribuir esses 50.000 funcionários por esses 50.000 postos de trabalho. Como o fariam?
Bom, a tarefa tem a dimensão e a complexidade de um colosso! Eu pelo menos, e por uma lógica de bom senso, determinaria um sistema de casamento directo entre oferta e procura. De um lado, os funcionários candidatar-se-iam directamente às micro-organizações que bem entendessem. Por seu turno, as micro-organizações escolheriam para os seus postos em falta, pelo tempo que se entendesse conveniente, os candidatos que melhor preenchessem os critérios de necessidades por aquelas fixados. Caberia aos serviços centrais, apenas, zelar pela legalidade das decisões e corrigir eventuais necessidades insupridas. Desta maneira se obteria uma optimização da satisfação de oferta e procura.
Confrontado com este cenário, porém, a opção do Estado português é: a distribuição desses funcionários é (re)feita anualmente porque só é válida por um ano; e, além do mais, essa distribuição (anual) é realizada num único processo global, centralizado num único serviço sediado num único local.
Como é bom de ver, só o Estado português tomaria esta opção. Nenhuma organização minimamente racional ponderaria (re)colocar ciclicamente 50.000 funcionários em 50.000 postos de trabalho e, para além do mais, fazê-lo (nem que fosse uma só vez) através de um processo único e centralizado. Esses são métodos próprios de estados socialistas, burocráticos e centralizados -- numa palavra, totalitários. São, por definição, um convite à inépcia e ao atropelo da persecussão do melhor interesse público e/ou individual. O gigantismo do trabalho gera um número proporcional de erros de distribuição e de insatisfação (de cada um dos funcionários) com o resultado (indesejado). Não é à toa que os actos administrativos em massa e de efeito imediato são olhados de viés.
Foi só por mero acaso, ou por fruto de esforços individuais pontuais, que esta mastodôntica tarefa nunca implodiu antes. It was bound to happen. Era uma questão de tempo. O tal programa, que se limitou a ser incapaz de produzir essa tarefa, foi só um gatilho.
2. Ainda que a colocação dos professores tivesse ocorrido atempadamente, nem por isso o resultado seria satisfatório.
Como se disse acima, estamos sempre perante um método verdadeiramente totalitário de distribuição de trabalho, pelo que as consequências negativas têm de se repercutir para além de no próprio procedimento. Com efeito, não podemos esquecer as queixas dos professores, que se repetem anualmente, que não conseguem ter estabilidade profissional e pessoal. Por outro lado, o próprio funcionamento das escolas e a qualidade das aulas leccionadas não pode deixar de ser deficiente por força da impreparação e da excessiva flexibilidade. As escolas e os professores dificilmente conseguem ter uma visão estrutural do ensino adaptado à zona onde estão integrados. O planeamento micro (a nível das escolas) não existe. Não existe continuidade.
No entanto, no que toca ao futuro e no que respeita a atribuir autonomia às escolas e a profissionalizar a sua gestão, não temos novidades. Dir-se-ia que o sistema é bom.

Comments:
Aos de factos, sempre me intrigou o porquê de todos os anos os professores deste país terem que esperar pelo resultado concurso...
 
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