Peço a Palavra
quinta-feira, outubro 07, 2004
 
O Tempora! O Mores!
Séneca diz qualquer coisa como isto: «Comentemos um erro, um mal. Habituamo-nos ao erro e ele torna-se um vício; e, finalmente, o vício entranha-se e torna-se a normalidade. Assim chegamos ao ponto mais baixo da corrupção moral» (Cartas a Lucílio). Este ensinamento é precioso no âmbito da Teoria da Avaliação Moral. Apela a uma apreciação consequencialista dos nossos actos.

Numa esfera eminentemente individual, impõe uma análise constante das nossas acções, impõe que nos questionemos a toda a hora acerca da justeza e da bondade das nossas opções. Em concreto: «o meu acto é um erro? E se o for, o meu acto subsequente contribui para o enraízar? Ou para o extirpar?» São questões que nos levam a um aperfeiçoamento ético individual, a percorrer um caminho no sentido da Virtude e da Sabedoria.

O mesmo juízo tem aplicação na esfera colectiva, na res publica. Quando Séneca nos interpela neste campo, em que moldes o faz? «Este acto é errado? Em que medida os meus actos o defendem? Ou o contrariam?» Aqui, o apelo é dirigido à nossa responsabilidade de agentes políticos inseridos na sociedade: somos sempre responsáveis pelo estado de coisas em que vivemos, ou porque o provocamos ou porque o incentivamos ou consentimos. E o objecto do apelo é sempre o bem moral geral, o bem comum.

Serve tudo isto para dizer o seguinte: nos tempos que correm, há um estado de espírito generalizado de complacência para com a actividade governativa. Não só para com o Governo; mas para com toda a actividade governativa. Isto das velhas frases de recriminação da classe política -- em que «eles» constituem um grupo à parte -- não são uma forma de atribuição de responsabilidades: são uma forma de demissionismo. Assistirmos aos erros e nada fazermos coloca-nos na segunda parte do dilema. Ou seja, contribuímos para transformar erros em vícios. Não nos queixemos, depois, quando tivermos de conviver com essa podre normalidade.

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