Peço a Palavra
segunda-feira, abril 19, 2004
 
Ladra aí, animal!..
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Não é que eu ligue muito aos eventos desse grupo. Mas de vez em quando dá-nos qualquer coisa com que nos entreter. Refiro-me ao Bloco de Esquerda, claro está.
Do Bloco de Esquerda nunca virá grande mal, na medida em que nunca os seus apaniguados cheirarão as alcatifas dos gabinetes ministeriais. São por isso inofensivas a verborreia e a demagogia a que recorrem. Não deixam as mesmas, contudo, de constituir um bom objecto de estudo da ética da actividade política contemporânea.

Atentemos nos seus mais recentes cartazes. "Eles mentem. Eles perdem". Por baixo, uma fotografia da Cimeira dos Açores, com Durão, Blair, Bush e Aznar perfilados. Tudo a cores, excepto Aznar que já está a preto e branco.
Este cartaz não tem qualquer mensagem do Bloco. Não é a expressão de uma proposta sua; não é o reflexo de qualquer componente ideológica (que ainda estou para descobrir qual é); não é o sublinhado de qualquer problema nacional. É pura propaganda de imagem -- ou melhor, de desgaste de imagem. É um mero apelo sentimental feito ao eleitor para que castigue o governo português. Apenas e tão só isso. Sucede que, como é um apelo sentimental, não resiste a uma análise minimamente racional. Ou seja, é pura demagogia. Vejamos.

Quando se diz que eles "mentem e perdem", a referência é dirigida ao caso de Aznar. E é assim porque a sua imagem é apresentada como uma figura a entrar no baú da história. Um has been. Ora, a fábula da mentira que conduziu à derrota é amplamente conhecida: o governo espanhol teria fornecido informação errada ao eleitorado sobre o atentado de 11 de Março e teria pago por isso.

Onde estão as falácias? Onde está a demagogia?
1. Como já oportunamente se demonstrou, o governo espanhol não mentiu, tendo-se limitado a fazer eco das informações fornecidas pelos serviços de inteligência espanhóis. Essa informação era errada: mas não foi criada pelo governo espanhol. E muito menos por Aznar. Aqui está um facto que não interessa ao Bloco. O que interessa é que "eles mentiram", toda a gente sabe, e os factos posteriores são irrelevantes porque a desconfiança está instalada.
2. Aznar não perdeu nada. Aznar não foi a votos. Facto de somenos importância na óptica do Bloco.
3. Durão, Blair e Bush nada tiveram a ver com os incidentes envolvendo o atentado de 11 de Março. Não mentiram porque nem sequer falaram. Isto também é um facto que ao Bloco pouco importa. O que lhe importa é que eles teriam mentido na questão das armas de destruição maciça. Mas, note-se!, não é esta a mentira a que o cartaz se refere literalmente. Essa "mentira" é apenas sugerida pela presença, no cartaz, dos demais líderes na famosa Cimeira. Mas o que interessa ao Bloco é estabelecer uma ponte de engano entre os dois "factos". Interessa-lhe misturar as duas situações como se fossem uma só. E isso é conseguido.
4. Em todo o caso, dentro deste novo cenário, o facto de já ter sido demonstrado que os governos britânico e americano não mentiram e se basearam nas informações disponíveis também pouco importa. Já se sabe -- o público sabe! -- eles mentiram e pronto!
5. Ainda quanto à suposta mentira subliminar -- a das armas de destruição maciça --, demonstraram as sondagens espanholas que a mesma não tive qualquer reflexo no eleitorado. O certo é que antes das eleições e quando essa questão já tinha sido amplamente debatida, o Partido Popular estava à frente nas sondagens. É assim da mais elementar probabilidade que essa "mentira" não tenha determinado a derrota de Aznar -- que nem sequer foi de Aznar. Isto, porém, também não é importante para o Bloco.

Conclusão:
O Bloco junta a falsa premissa de natureza "Alho" à falsa conclusão de natureza "Bugalho". Eis, pois, a sua campanha. Problemas de meter a linguagem e meta-linguagem no mesmo saco, dirá o meu amigo Martim. O irónico é que eles dizem: "Eles mentem. Eles perdem". Talvez o Bloco devesse pensar bem nisso...

Refira-se, para acabar, que esta postura não é inédita. Aliás, é o prato comum da sua actividade diária e até mesmo o suporte da sua luta político-partidária. A sua agenda traduz-se apenas naquilo que lhe permite cavalgar a onda do momento. São como o Partido Popular português -- só que pior!
Atentemos nas palavras de Francisco Louçã há um ano atrás, in "A Guerra Infinita": «[...] Washington autorizou a venda de componentes para um programa nuclear, de mísseis e para fabríco de armas químicas e biológicas, e especialistas militares e da indústria de armamento iraquiana receberam instruções nos Estados Unidos. Os Estados Unidos não precisavam de inspectores para saberem imediatamente quais são os arsenais de Saddam: bastava terem guardado as facturas». Esta verborreia não impede, todavia, o economista de malhar agora, dia-sim dia-sim, na tão propalada mentira da existência das armas de destruição maciça. Mentira que o mesmo cavalgou em seu benefício.
Eles mentem. Eles perdem.

PS - Um especial agradecimento ao liberdade de expressão pela recordatória das palavras de Louçã. A memória é de facto uma coisa preciosa.

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